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entrevista Otavio Yazbek

 

23/11/2017

 

Ex-diretor da CVM, professor da Fundação Getúlio Vargas e sócio na Yazbek Advogados, fala sobre mudanças na Resolução 4588 (29/06/2017), prevista para vigorar em janeiro do ano que vem

 

A Resolução detalha e define procedimentos mínimos requeridos da atividade de auditoria interna em todas as instituições financeiras e autorizadas a funcionar pelo Banco Central. Segundo Yazbek, essas mudanças, que devem entrar em vigor em 2018, tem motivação cultural e vem complementar a Resolução 2554/1998, que trata da implantação e implementação de sistemas de controles internos. Confira a seguir a entrevista exclusiva.

 

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Quais expectativas - a curto e longo prazo - do Banco Central acerca das mudanças da Resolução 4588?
As primeiras expectativas do Banco Central são, aparentemente, mais genéricas. Ele está dando o passo de modernização do sistema como um todo, permitindo que se criem estruturas de governança mais adequadas para o mercado num momento em que o Brasil e o mundo inteiro está falando disso. Todo mundo tem questionado o papel das estruturas de Compliance, Controles Internos, Auditoria Interna, e como elas precisam se organizar. Então, existe uma tendência, que é muito forte no Brasil, por causa dos últimos movimentos que tivemos. Mas fora desta questão geral, temos duas questões mais específicas. Primeiro, a necessidade de ele criar centros de responsabilização mais claros em casos futuros. A estrutura toda de imputação de responsabilidades do Banco Central sempre foi mais ou menos frágil e ela tem sido aprimorada a partir de uma série de eventos mais recentes (como a Medida Provisória 784, hoje Lei nº 13.206/2017). Segundo, com as estruturas de governança e implicações internas relacionadas à fiscalização de determinadas práticas será possível melhorar as condições de aplicar penalidades. Mas há um terceiro “capítulo”, que é de criar condições do Banco Central fazer e fiscalizar atividades de fiscalização e de supervisão mais eficientes. Para mim, está muito claro que as áreas de auditoria interna são uma extensão do Banco Central para várias finalidades. Ele já utiliza essas áreas hoje, já acredita no papel que elas têm, e agora está estruturando esse braço, por assim dizer, de fiscalização remota. Talvez essas sejam as grandes finalidades: uma mais macro e duas mais específicas.

 

Gostaria que nos falasse um pouco sobre as principais mudanças e quais benefícios elas podem trazer ao sistema financeiro e para o órgão regulador.
Posso dar uma opinião mais geral sobre isso, pois hoje atuo como monitor externo do acordo de leniência da Odebrecht. No dia-a-dia dessa atividade eu comecei a cada vez mais interagir com pessoas que atuam com Compliance, com Auditoria Interna, com vários desses temas. A sensação que tenho é que o universo dessas normas, a forma de lidar com elas, está passando por uma mudança muito grande no Brasil. Estamos começando a viver em um novo mundo, e quais as vantagens disso para o mercado? De início, começarão a surgir processos de governança muito melhor estruturados, possibilidade de responsabilização na escala por erros ou por irregularidades, determinadas portas para irregularidades vão começar a se fechar, começa-se a ter processos muito mais transparentes e mais adequados dentro das instituições. Esse é o grande ganho para o mercado. As pessoas vão ter que entender qual é o verdadeiro efeito disso, o que verdadeiramente está sendo requerido das instituições. Não se trata apenas da criação de estruturas, comprar aquela papelada, com aquele modelo padronizado de estrutura de Compliance, de Controles Internos ou de Auditoria. É pensar em quais são as estruturas de governança, quais os riscos que estão expostos, quais são os riscos que a autoridade está tentando administrar a partir da norma e assim desenvolver sistemas adequados. Passado esse choque inicial, possivelmente começaremos a ter um ganho qualitativo muito grande no mercado, porque os próprios agentes (de mercado) vão começar a fazer um pouco da fiscalização do autocontrole, que hoje fica muito remotamente na mão do regulador ou do autorregulador. Então, o grande efeito são as externalidades benéficas de se ter mecanismos muito mais modernos do ponto de vista de governança, muito mais coerentes com o que você está fazendo ao redor do mundo.

 

E o principal motivador para a criação dessas normas?
O principal motivador talvez seja, no fundo, cultural. Chegou a hora de complementar aquele ciclo que se abriu com a Resolução 2554. Em todo lugar no mercado brasileiro, temos ouvido falar em programas de Compliance e de criação de mecanismos de verificação, é algo desse momento que a gente vive hoje. O principal determinante é o momento atual e é aquilo pelo o que estamos passando. Aqui há uma discussão que é muito parecida com a discussão também da Medida Provisória 784, que é aquela que trata das novas penalidades que a CVM pode aplicar. Logo após a publicação da 784, muitos diziam, “ah, o Banco Central e a CVM estão fazendo isso porque eles vão ter que lidar com as instituições que forem pegas em operações como a Operação Lava-Jato ou Zelotes”; por um lado talvez haja alguma verdade nessa leitura. Afinal, são esses os fatores que estão deflagrando essas mudanças todas no Brasil, essas grandes operações do Ministério Público, os grandes movimentos do Judiciário, os efeitos da Lei Anti-Corrupção. É esse o momento que estamos vivendo, esta grande mudança, essa necessidade de enfrentar os desafios de uma forma mais madura, repensando as estruturas de governança que podem enfrentar aqueles problemas, e não apenas fazendo ‘puxadinhos’.

 

Qual é a sua visão como ex-regulador e ex-autorregulador sobre o papel das áreas de supervisão (Compliance, Auditoria e a Controles Internos) nas instituições do setor financeiro?
Quando olhamos para a evolução das normas do Banco Central e da CVM, vemos que cada vez mais se começou a criar normas de conduta relacionadas à Compliance, Controles Internos e Auditoria. A CVM há muito tempo fala, nas normas próprias, em “regras, procedimentos e controles internos”. Já é comum a cobrança de instituições que não tinham essas áreas estabelecidas. Já o Banco Central está dando este passo de maneira mais incisiva agora – o passo inicial foi com a Resolução 2554, mas as coisas ainda ficaram mais ‘soltas’. Com as Resoluções 4588 e 4595, fecha-se o ciclo. Desta forma, ele cria uma estrutura redonda, em que há as regras próprias sobre Compliance, na 4595, as regras sobre os controles internos, na 2.554, e os mecanismos de verificação, via auditorias internas, na 4588. Isso significa que este universo, como acontece já na CVM – na indústria de fundos acredito que seja ainda mais claro – deverá se tornar cada vez mais autônomo dentro das instituições. Eu tenho que ter corpos especializados destinados a cumprir essas funções, e isso é uma transformação radical de governança. Minha leitura é: o mercado ainda não leu desta maneira essas novas regras, e, não lendo desta maneira, as pessoas podem tomar riscos desnecessários nas relações com os reguladores e com os autorreguladores. A tendência é começar a surgir cada vez mais casos em que as instituições são acusadas de práticas irregulares – ao lado da irregularidade em si – por não terem constituído algum mecanismo de controle capaz de identificar o problema. As novas regras pedem uma procedimentalização da vida dentro das empresas financeiras, da qual a maioria ainda não se deu conta, e que é geradora de riscos no dia-a-dia e no desenvolvimento das atividades. Os desafios que vejo nesse sentido são alguns: começar a pensar em como criar essas áreas de maneira mais adequada - e aqui o grande ponto é que a regra se aplica de uma maneira mais ou menos equivalente para instituições que têm perfis muito diferentes. Pode haver casos em que não faça sentido ter estruturas muito mais robustas, em alguns casos, em outros elas podem se impor. Mas aqui mais do que nunca, vai ser importante pensar em qual estrutura da companhia/empresa, qual o risco que ela está efetivamente sujeita e qual a solução mais adequada. Isso vale para o universo Banco Central e vale também para universo CVM.

 

Como você percebe a evolução das áreas de supervisão nas últimas décadas?
A minha impressão é de que existem alguns movimentos mais coerentes entre si. Cada vez mais os reguladores estatais tendem a se distanciar da supervisão direta, cada vez mais eles tendem a valorizar autorreguladores. Vemos isso em vários movimentos da CVM, quando ela reconhece a BSM, a Anbima etc. Temos aí um movimento de valorização de autorreguladores, de supervisão indireta, mas junto com isso temos uma valorização das estruturas de governança correspondentes a esses processos. É o mesmo movimento do qual estamos falando desde o começo da nossa conversa. Isso é um pouco ‘irmão’ dos outros movimentos: o uso cada vez menor de supervisão direta, com uma maior confiança nos autorreguladores e um peso cada vez maior também daquelas regras de organização interna (regras de Compliance, Controles e Auditoria) vão se tornando importantes e vão ajudando a amarrar a atividade de supervisão e de aplicação de penalidades. Para mim, essa é a grande tendência hoje. E, de novo, acho que o mercado ainda se deu muito pouco conta disso. Existe um risco muito grande de vermos o surgimento de casos ou um número cada vez maior de casos em que o Banco Central e a CVM questionam não apenas a instituição pela irregularidade - o tal do diretor responsável também, porque ele sempre é responsabilizável - mas também os mecanismos de governança correspondentes a prever, controlar ou fiscalizar o que está acontecendo.

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